Muito se fala sobre guerra às drogas, e se você é alguém presente no mundo canábico ou não, eu aposto que você já deve ter ouvido falar sobre isso. Mas afinal, o que é guerra às drogas?
Meu amigo… eu poderia te dar inúmeras respostas, como por exemplo:
Mas vou me ater à resposta técnica, e razoavelmente imparcial: guerra às drogas é a política institucional que a maioria dos governos adota no enfrentamento ao narcotráfico. Muitos especialistas, incluindo a própria Fiocruz, ressaltam que essa é uma política completamente ineficaz e fracassada.
Pode parecer bonito na cabeça de muita gente: um “herói” armado a lá Capitão Nascimento, enfrentando os caras maus e fazendo justiça. Mas sinto muito em lhe dizer que está longe disso. A guerra às drogas vai muito além das ruas, e parte desde escritórios e institutos burocráticos até a casa de famílias inocentes cujo único erro foi morar no lugar errado: a periferia.
E aqui é onde devemos focar: na guerra às drogas, o verdadeiro inimigo não são as drogas. É a população negra e periférica. Isso é fácil de comprovar:
Nosso sistema carcerário, onde aproximadamente 700 mil pessoas seguem detidas, conta com uma parcela de 62% desses sendo preta ou parda. No último ano, foram mortas aproximadamente 6 mil pessoas em operações policiais contra o tráfico. Aproximadamente 78% dessas pessoas eram pretas e periféricas, até onde temos dados.
Fora isso, o número de policiais mortos também não “deixa a desejar”: o Brasil é conhecido por ser o país da polícia que mais mata e mais morre em todo o mundo.
Desde que o mundo é mundo, a história vem nos mostrando continuamente que proibir não é a garantia de que algo não vai acontecer. Afinal, se fosse assim, não haveriam crimes e ninguém erraria, justamente por ser proibido. Mas desde quando usar drogas realmente deve ser um erro, quando se é uma escolha consciente, ponderada e tomada por pessoas capazes? O que a gente pode afirmar, e isso com certeza, é que essas medidas só geram o efeito contrário, além de potencializar tudo de errado que já poderia acontecer.
Isso não é uma opinião: mais uma vez, foi o tempo que mostrou isso para nós em um exemplo perfeito: a lei seca.
A Lei Seca ao qual a gente se refere aqui foi o movimento proibicionista (e não a regulação entre bebida e direção, ok galera?) que ocorreu durante a década de 20 nos Estados Unidos, após a primeira guerra mundial. E adivinha só: sabe como também foi chamado esse período? Os Loucos Anos 20, do inglês “The Crazy 20’s”.
Sabe por quê? A loucura literalmente rolava solta! Com a bebida alcoólica proibida de ser comercializada, os traficantes não tinham nenhum critério nem órgão regulador. Então, as chances de você estar degustando um toque de gasolina no seu whisky, sem brincadeira, eram altas levando em conta que muitas dessas bebidas eram feitas em laboratórios clandestinos, transportadas e armazenadas de qualquer jeito e sem nenhum controle de qualidade. E o pior disso tudo é que, 100 anos depois, a sociedade ainda não aprendeu.
Se você ainda não está convencido e acha que a culpa é do usuário, traficante ou qualquer um que não seja o nosso próprio governo, eu te proponho fazer o seguinte exercício: após a legalização, quantas mortes por tráfico ainda podemos contar em países como o Canadá, o Uruguai e a Argentina?
Agora vamos pensar de novo no exemplo tão bom que é a Lei Seca: quantas vezes isso não aconteceu lá, nos Estados Unidos, quando as ruas eram tomadas por gângsters do mercado da bebida? Pois é, nós sabemos que muitas. Mas isso não continua acontecendo, sabe por quê? Porque o governo de lá entendeu que o proibicionismo é uma medida burra, e ao invés de perder não só dinheiro, mas vidas para esse mercado, eles perceberam que existe um caminho melhor a seguir.
Hoje isso acontece com alguns dos diversos estados que legalizaram a ganja nos EUA, e na prática eles mostram o quão mais benéfico é para a sociedade entender que regular é melhor que criminalizar. Chega de culpar indivíduos quando o problema é um sistema inteiro.
Mas afinal, quem ganha com isso? É outra coisa que podemos te dar muitas respostas. Vamos citar o Brasil como exemplo?
Só em reais, são 17 bilhões movimentados todos os anos. Políticos eleitos na promessa de “acabar com o crime”. Emendas parlamentares, orçamentos, mais emendas, leis, mais dinheiro, e por fim: menos vidas.
Pode parecer meio contraditório, mas por mais que pareça irreal a gente sabe que muitas coisas absurdas acontecem todos os dias no que se diz respeito à origem dessas drogas. Lembra quando eu te falei, lá atrás, do “político que vai acabar com o crime?” Bem… não é bem assim, e dá para a gente perceber quando lê notícias como 450 kg de cocaína encontradas em um helicóptero ligado a um senador.
Você também lembra do policial herói? Parece que essa galera realmente gosta muito de helicópteros, como a gente pode ter certeza sabendo que caiu um helicóptero, pertencente a um policial civil, com outra surpreendente carga de centenas de quilos de coca.
Porém algo não fecha: não era essa mesma galera que deveria estar enfrentando o problema? Por que eles parecem ser a fonte dele?
O maconheiro quando está em paz não quer guerra com ninguém. Nenhum maconheiro simplesmente acha "legal" se dirigir á biqueira, passar medo e insegurança e não ter certeza nem da qualidade da sua droga ou se vai voltar com vida.
Não é novidade para ninguém que vivemos em um mundo onde é celebrada a morte. Em um país onde a necropolítica é o que impera, para muitos governantes (você sabe bem de quem eu estou falando, taokei?) esse é um fator banal, que não vale mais que um “e daí?”.
O Brasil é um país com as prioridades totalmente invertidas, e por isso mesmo eu vim te trazer esse dado que é no mínimo chocante: com o que o governo gastou com a guerra às drogas no ano de 2020, poderiam ter sido compradas 108 milhões de doses de vacina. Isso apenas o que foi gasto nos estados de São Paulo e Rio de Janeiro. Ou seja: METADE da população brasileira poderia ter sido imunizada, além de termos evitado centenas de milhares de mortes.
E esse é o resultado de viver em um mundo onde um baseado é considerado mais perigoso que um vírus letal, causador da separação de milhões de famílias, perda de amigos, colegas, filhos, maridos, esposas, vizinhos e qualquer conhecido ou não.
Todo ano, deixamos de arrecadar 129 BILHÕES de reais, dinheiro esse que poderia ser convertido em verba para a educação, saúde, distribuição de renda e moradia aos mais necessitados, saneamento básico e segurança pública.
E eu sei que muita gente se importa mais com o dinheiro, mas esse não é o maior argumento a favor do fim da guerra às drogas. É com as vidas que devemos nos importar.
Devemos levar em conta que, graças a ela, hoje o sistema carcerário do Brasil (um dos piores do mundo) conta com 1 a cada 3 presos respondendo por crimes ligados ao tráfico de drogas. Pessoas essas que, em um mundo diferente, poderiam estar trabalhando, estudando, amando e vivendo, mas em sua maioria devido à falta de opção recorreram ao tráfico como uma fonte de renda e sobrevivência.
Não queremos passar pano para ninguém, mas também queremos te alertar para que você se engane com juízos de valor já moldados para criminalizar em sua maioria a população preta e pobre. Nem todo mundo que recorreu a esse caminho o fez por “maldade”, mas sim por falta de oportunidade.
Também perdemos muito em avanços científicos e tecnológicos ao deixar de explorar opções como o Cânhamo e o CBD, que poderiam nos ajudar a encontrar a cura para diversas doenças e síndromes até agora não solucionadas.
É muito pretensioso acreditar que algum herói fardado, político bonzinho ou quem sabe uma mistura dos dois vai chegar e simplesmente acabar com o “problema” das drogas.
Por mais complexo que pareça, na cabeça de muita gente matar todo mundo que vende e usa drogas é a “solução” que vai salvar o mundo. Mas não se engane: é atrás desse falso moralismo que se esconde um jogo de interesses muito maior do que conseguimos explicar em um simples artigo.
Ainda assim, podemos ter um pouco de esperança, pois mesmo com passos de tartaruga, aos poucos a legalização vem sendo conquistada, principalmente quando se diz respeito à saúde e medicamentos ligados ao canabidiol. A legalização é fundamental, não só para acabar com a ideia de que a “maconha é a porta de entrada para outras drogas”, mas para mostrar que existe sim outro caminho, melhor e mais inteligente.
Por isso mesmo, conte com a gente para te informar: a nossa missão é te contar passo a passo não só o impacto disso na sua vida, mas o porque esse pensamento deve acabar já, e também o quê cabe a nós fazer em relação a isso.
Afinal, maconheiro ou não, consciência é algo que você nunca deve abrir mão. É por isso que vamos encerrar com uma reflexão de um conterrâneo nosso, o saudoso Djongador: "O que vale mais: um jovem negro ou um grama de pó?"
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